O trânsito estava intenso e fiquei parada, em fila, em frente da velha fábrica. Era uma presença familiar mas até então não me tinha dado ao trabalho de a observar com algum cuidado. Era constituída por dois corpos, um mais alto, e uma ala lateral. A ruína em que se encontrava dava-lhe um certo encanto. Dei por mim a pensar que tinha que tirar uma fotografia, talvez a preto e branco.
As paredes revestidas a azulejo amarelo, as janelas, duas, com uma grelha metálica, em que o vandalismo tinha aberto um quadrado maior, simetricamente central, as telhas que emolduravam a fachada, todo o conjunto tornava para mim aquela uma presença agradável.
Pensei em que poderia ser transformado o edifício, uma vez que a velha cerâmica há muito que fora encerrada. Dava um óptimo ninho de empresas, com a criação de escritórios laterais em torno de um átrio central. Colocaria uma enorme clarabóia, um jardim de Inverno e o sistema de acessos nessa zona central. Seria como espaço de convívio e zona de espera.
Poderia ser também um edifício de ateliers de artistas, e a zona central um espaço de exposições permanentes.
Embrenhada nestes meus pensamentos lá fui arrastando o carro, lentamente, ao ritmo dos outros, até que passei sob o Arco do Prado.
Esqueci a velha fábrica, agora eram só mais dois minutos e estaria em casa, jantar a preparar, algum trabalho a fazer e finalmente dormir.
No dia seguinte, quando voltava a casa pelo mesmo caminho de sempre (esperando nenhuma surpresa), ao desfazer a curva da velha fábrica, ergui os olhos e nada. Não estava lá nada. Num único dia tinham demolido a velha fábrica. Unicamente restava, isolada, a chaminé de tijolo vermelho. Mesmo os escombros acumulados, não pareciam suficientes para terem sido aquelas paredes que eu conhecia e apreciava.
Senti que me tinha sido retirado algo. Durante oito anos passei por ali quase diariamente e só no dia anterior tinha observado verdadeiramente com cuidado o edifício. Hoje já não existia!
Não havia tirado a tal fotografia, nunca havia visitado o interior e agora já não seria possível.
Nós damos muitas vezes por adquiridas certas coisas, mas é tudo tão efémero que num pestanejar de olhos já lá não está.
Não é à toa que a sabedoria popular diz:
“Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje.”
(18-8-1999)
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