segunda-feira, dezembro 08, 2003

Natal

Do baú da minha adolescência…

“O Outono chegou! Um pouco por toda a parte as mudanças fazem-se sentir. Do Norte, os ventos sopram mais fortes, as folhas empalidecem, outras enrubescem, mas as árvores não são as mesmas, existe mudança no ar, pode-se senti-la, cheirá-la, até mesmo saboreá-la, não é algo que se passe a nível da imaginação, é palpável. O ruído dos passos crescendo dia a dia, à medida que engrossa o manto das folhas mortas que cobre a terra. O azul do céu dá lugar ao cinza, o sorriso das pessoas esconde-se atrás de uma certa melancolia no olhar, para eles começa também o Outono, uma vida mais calma, mais espiritual, os dias pequenos e frios para os grandes serões de família, em redor da lareira, o prelúdio do Inverno, e no dia de Natal o grande tronco que arde, o cheiro quente da resina que invade a casa e a sensação de viver o dia mais velho do mundo. Os miúdos correm em redor da mesa grande posta festivamente, os graúdos conversam enquanto esperam a altura de descascar as batatas, cozidas com a casca, a preceito. A cebola estala no lume, o cheiro do molho de azeite sobrepõem-se ao dos pinhões. Ainda é cedo mas parece que o dia leva já séculos. Foi à meia-noite que nasceu o menino, foi à meia-noite que o Pai Natal nos deu os presentes, foi à meia-noite que fomos à missa do galo e foi à meia-noite que eu arranjei um galo que só cantou à meia-noite do dia seguinte.

As mãos enfarruscadas coçam o nariz que assim também se torna preto. “Par ou Impar?” “Par!” E lá se foram os pinhões. Porque será que os maiores têm sempre mais sorte, podem falar com os adultos, brincar com as crianças e ainda ficar com os pinhões todos?

Eu queria ser grande! Poder passar todos os Natais em redor da lareira, ter o meu lugar à mesa grande, conversar e ser ouvida, sentir-me segura de mim e sentir que fazia parte dos
crescidos.

Agora que sou quase adulta, o meu desejo é voltar aos natais dos pinhões e dos miúdos a correr à roda da mesa, dos presentes e do avozinho de barbas brancas que vinha do Polo Norte para nos dar os brinquedos... Este Natal quero um brinquedo, quero ser de novo criança. Ser adulta dá tanto medo, tomar decisões faz-me dores de barriga. (…)”

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