Chegamos a Aveiro para jantar. Corremos parte da cidade a pé, os poucos restaurantes que encontramos, estavam fechados, domingo não é geralmente dia escolhido para saídas à noite e a maior parte dos estabelecimentos aproveita e faz descanso. Quando já tínhamos desistido e estávamos resignados a um jantar no Shopping, rápido e sem encanto, vislumbramos sob um reclame, uma ténue luz que vinha das janelas. Estaria aquele restaurante aberto? Fomos lá por descargo de consciência, pensando que seria mais uma volta em vão.
Mas não, o jantar foi bem agradável, com o timing correcto para à saída apanharmos chuvada a meio do caminho e ter de fazer o percurso corrido entre montras de loja e vãos de portas.
O espectáculo começou com meia hora de atraso, passada a maior parte dela no foyer, porque a sala permanecia fechada enquanto os últimos testes ou ensaios eram feitos.
Mari Boine… para quem como eu gosta particularmente da música, vibra com ela, ondula o corpo ao ritmo mesmo das melodias mais suaves, foram duas horas muito bem passadas.
Gostei de a ouvir falar, no seu inglês arrastado, da sua terra, das tradições do seu povo, que, como gosta de salientar, vem de antes do cristianismo e nas escolas não é ensinada, da beleza agreste dos locais que lhe servem de inspiração. Dos contraste entre um Verão quente e povoado de mosquitos e do Inverno com temperaturas que para nós povos mediterrâneos não têm qualquer significado concreto, de auroras boreais, de borboletas, de flores persistentes, do voo da águia…
E foi no voo da águia que eu consegui condensar tudo. Sempre, ao escuta-la, me senti transportada em voo rápido e rasante sobre paisagens imensas e ainda naturais. Imaginava que me libertava das amarras da gravidade e conseguia percorrer distâncias enormes em poucos minutos, via a textura da paisagem que se sucedia, sempre com aqueles ritmos por fundo, via povos, na aurora dos tempos, prestando homenagem à natureza que tudo guia. Acho que a música dela tem um carácter de intemporalidade que me conquista, aqueles sons, mais entoados que cantados, que nascem e ecoam sem que a boca praticamente se mova, conseguem ser acompanhados quer pelo silvo do vento e restolhar das arvores, quer pelos sons sintetizados de uma guitarra eléctrica.
Gostei de escutar, sozinhos em palco, uma flauta e uma guitarra que chorava como um violino.
Mari Boine tem ainda um significado especial para mim, descobri a sua música num momento da minha vida em que tive de fazer escolhas, continuar a ser quem me tinha tornado, ou tudo questionar e renascer. Por isso, para além do voo da águia, na sua música, sinto o voo da Fénix em que me tornei nessa altura.
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