quarta-feira, outubro 22, 2003

Eutanásia

O corpo sentado na cadeira de rodas olhava em frente sem se deixar perturbar por nada. Não reagia a um carinho, não reagia a um som. O rosto encovado, os ombros finos, os dedos nodosos permaneciam imóveis. A pele cada vez mais definia o contorno dos ossos. Um gemido ritmado era a única indicação de que ainda ali estava. Os médicos diziam que não está a sofrer, o gemido era um hábito, era um fio de energia que ainda se mantinha. Será bom que tenham razão, que não exista sofrimento, mas nem disso temos certeza, já que palavras há muito que foram esgotadas.
O corpo mantém-se teimoso a cumprir calendário. O espírito já desistiu, ou ficou irremediavelmente amordaçado, impedido de se expressar por um corpo que não obedece.

Depois de ver isto, já não se trata de pedir que me desliguem as máquinas se algum dia delas ficar dependente para viver.

Se chegar a este estado, vegetativo, de corpo que cumpre unicamente o que a fisiologia determina, se chegar a ser corpo sem alma, por favor dêem-me uma “overdose” de qualquer coisa!

De sexo seria bom, morria pelo menos de sorriso nos lábios.

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