domingo, abril 11, 2004

A praia

A praia lançava-me um convite, à medida que eu contornava a rotunda do Castelo do Queijo, e depois seguia, descrevendo a curva da marginal de Matosinhos e o cheiro a maresia invadia o carro.

Abri mais as janelas, o ar exterior não conseguia competir em frescura com o ar condicionado, mas o odor forte marítimo compensava o calor.

O dia fora extraordinariamente quente, o sol brilhava com uma força pouco usual desde manhã cedo. Uma centena de metros de distância do mar e a temperatura subia logo vários graus. Na praça atravessar o espaço que separava umas arcadas das outras, parecia ser atravessar o deserto, o ar seco e o sol queimando a pele.

Debaixo das arcadas, por comparação até parecia fresco... mas era uma sensação rapidamente ultrapassada mal a pele se habituava de novo à temperatura e uma fina camada de suor a recobria outra vez.

Estava decidida a aceitar o convite lançado pela beira-mar, e estender-me no areal aproveitando os últimos raios de sol. Não esperava que esses últimos brilhos, já quebrados, conseguissem alterar a tez da minha pele, branca ainda, mas esperava que pelo menos me conseguisse proporcionar aquela sensação de ligeira ardência de pele em fim de dia de praia. Sensação que, inexplicavelmente, não consegue ser atingida se em vez de me estender no areal, preferir a calma da varanda a três quarteirões do mar. Aquela sensibilidade que transforma o calor de obsessivo em reconfortante, envolvente, acariciante. Aquela sensação de arrepio que mimetiza outros momentos.

No areal, o sol já havia perdido parte da sua força, uma ligeira neblina filtrava a luz, e uma aragem mantinha a pele fresca. Cruzei-me com varias pessoas que terminavam o seu dia de praia, seis da tarde, exactamente no momento em que estendi a tolha na areia e olhei o telemóvel, meu único relógio desde que acabei conquistada, ou vencida, ou rendida à comodidade de estar sempre contactável. O relógio de pulso foi abandonado no verão, como todos os anos para não marcar o braço com uma mancha clara, mas também pela sensação de liberdade que isso proporciona, não saber que horas são e não me importar com isso. Foi abandonado e não mais retomado.

Deitada iniciei a leitura de um livro, o tipo de escrita não me cativava, frases curtas, ambiguidade. Algumas imagens bonitas, sim, mas uma história que se conta muito pouco, que se deixa perceber, que se deixa imaginar mas que não corre fluida como um rio, como a água que foge da nascente, como eu gosto.

Gosto de ler e gosto que as palavras me conduzam ao longo da história como quem faz um passeio, com ritmos diferentes, vendo cidades diferentes, mas num movimento que evolui e que não se imobiliza abruptamente.

Não gosto da condução nervosa de quem pára bruscamente e acelera com a mesma rapidez, não gosto de sentir o solavanco, gosto do iniciar suave, de uma paragem que se anuncia.

O texto não me agradou, parecia a escrita nervosa de quem está parado num semáforo esperando impacientemente que o sinal fique verde.

Se tivesse o ritmo da poesia, as frases curtas, as paragens abruptas seriam bem vindas, como quando fico brincando com o pedal do travão ao som da música, tentando, pelas luzes vermelhas intermitentes, passar a música que escuto a quem mais compartilha a fila comigo.

Abandonei a leitura no final do segundo capitulo. Não abandonei, interrompi, porque apesar do estilo de escrita não ser aquele com que mais me identifico, não quero colocar palas nos olhos e fechar-me para outras formas de sentir a nossa língua.

O sol já não tinha praticamente força para se sobrepor à brisa que sopra em fim de tarde e a pele vai sentindo, alternadamente, o arrepio de frio e a sudação do calor.

Opto por dormir um pouco, fechar os olhos, pensar, reflectir e esperar que a mente se desligue um pouco da realidade, dos sons que a envolvem, os gritos dos miúdos que jogam à bola, os comentários do grupo que joga às cartas. Se abstraia mesmo do som do mar, e sinta unicamente um zumbido sem sentido, sem significado mas que aconchega o meu cérebro.

(5-8-2003)

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