segunda-feira, abril 05, 2004

Os primórdios da sociedade digital

Uma aula para crianças – Planeta terra, ano de 2050

Ao contrário do que acontece com vocês, que tem o vosso diário gravado desde o dia que nasceram até ao dia em que irão morrer, porque do destino da morte ainda não nos conseguimos libertar, existiu um tempo em que cada um o fazia de memória, recordando ao final do dia, ou no final da vida, por tudo o que tinha passado e dava testemunho, por escrito, para que outros pudessem participar das suas vidas e das suas experiências.

Quando cada um de nós nasce é-lhe colocado um nanochip que irá guardar as memórias e as imagens de todos os momentos porque passa, e pode decidir tornar publicas essas recordações, na íntegra e para todos, ou unicamente certas partes e para certas pessoas. Os vossos pais já vos devem ter explicado que por enquanto ainda não o podem fazer, mas mais tarde é um direito que vos assiste. E se na vossa vida fizerem actos prodigiosos, para alem de um direito passa a ser um dever, não obrigatório mas incentivado pela comunidade.

Existem organizações responsáveis pelo tratamento da informação de modo a garantir a reserva de privacidade de terceiros, pessoas que aparecem nas vossas recordações, mas que não aceitaram a divulgação das suas próprias memórias. Existem empresas que compilam a informação criando conteúdos de divulgação. Mas existem também pessoas que o fazem por sua conta, disponibilizando, ao longo do dia, momentos importantes da sua vida, a sua visão do mundo, imagens captadas na sua retina e transferidas em tempo real, para a rede, são os chamados lifelogs.

No final do século XX surgiram os bisavôs dos lifelogs, os weblogs, ou blogs, como também eram designados. Foi próximo da mudança de século que a grande explosão dos blogs se deu, com a criação de serviços gratuitos pré-formatados que permitiam a pessoas sem conhecimento técnico a colocação on-line de informação, fácil e rapidamente. De um universo restrito de pessoas com conhecimentos técnicos de programação html que faziam uma página e actualizavam-na numa base diária, passou-se a uma quantidade incrível de utilizadores desses serviços, que alteraram completamente a definição inicial de weblog. De um formato muito próximo do diário pessoal em papel no início, exploraram muitas linhas diferentes, tornaram-se fazedores de opiniões, palcos de discussão, meios de divulgação de cultura, lançamento de escritores, de fotógrafos, de pintores … foi a conquista do espaço da rede por um boom de criatividade.

Como no início da utilização de qualquer tecnologia, de qualquer meio de comunicação, havia muito idealismo à mistura, muita força de vontade, muito empenhamento, relações fortes, a ideia da criação de comunidades, grupos de pessoas que se uniam num espaço virtual, quando a distância física as afastava mas geralmente associado a muito pouco rigor, pouco domínio da tecnologia. Eram como uma criança a dar os primeiros passos, eram como vocês, há poucos anos, com uma enorme vontade de tudo experimentar mas sem dominarem ainda todos os movimentos. Nessa fase, qualquer pessoa podia ter um weblog, os encargos eram nulos, por isso encontravam weblogs dedicados a bebés recém-nascidos, escritos pelos pais, blogs de crianças da vossa idade, adultos que se dividiam por vários, animais de estimação que acabavam a ter blogs a eles dedicados. A novidade fazia com que todos quisessem experimentar, multiplicando o número de páginas, algumas delas abandonadas a curto prazo, quando a novidade se perdia.

……
Acho que se começa a impor fazer a história dos weblogs, um arquivo dos blogs produzidos. Já se começam a fazer estudos sociológicos sobre o significado dos mesmos para quem os utiliza, respondi ainda ontem a um inquérito brasileiro. Já existe uma pequena pedra lançada, uma blogopédia. Parabéns ao Vizinho pela ideia e pelo trabalho.

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